14 de setembro de 2011

Quer que o filho coma, coma também!

Tenho refletido bastante sobre o tema alimentação infantil e, mais recentemente, lido sobre a influência negativa da publicidade sobre comportamentos e escolhas alimentares pelo público infantil. Sei que o marketing pesa muito na decisão da compra, mas ainda acho que a propaganda de maior força é a que é exibida dentro de casa.

Tive a sorte de nascer em "berço verde" e com cozinheiras que deixavam qualquer um com água na boca. Minha mãe herdou do seu pai o gosto pelo cultivo de hortaliças e nossa casa sempre foi cercada de uma bela e invejável horta. Cresci com minha mãe cavoucando canteiros nos finais de semana, semeando, transplantando mudas e colhendo diferentes tipos de verduras e legumes. Tipos exóticos e raros só não compunham sua horta quando o clima quente da cidade não os permitiam vingar. Nossa mesa sempre foi farta de verdes, amarelos, vermelhos, roxos... com aromas e sabores de pratos preparados com o mesmo carinho, criatividade e capricho ensinados pela minha avó materna.

Na adolescência eu já percebia que a comida em casa era diferente da comida de algumas casas. Refrigerante só tinha em aniversário de criança (ou seja, duas vezes ao ano); enlatado, só azeite, sardinha e atum. Molho de tomate, milho e ervilha, eram todos frescos. Fui comer o primeiro molho de tomate em lata depois dos 20 anos, numa viagem com amigos, e confesso que comi com certa repulsa.

A grande diferença entre o consumo de alimentos da minha família e de outras, entretanto, eu comecei a perceber para valer quando morei nos EUA. Era a primeira vez que eu preparava todas as refeições diariamente em casa. Portanto, eu fazia compras de alimentos em variedade e quantidade que eu não fazia no Brasil. Nos supermercados eu observava que meu carrinho era muito diferente dos demais carrinhos porque eu carregava litros de leite e suco no lugar dos refrigerantes, e uma variedade de frutas, legumes e verduras em substituição aos pães brancos e salgadinhos de todos os tipos que enchiam a maioria dos carrinhos de família.

De volta ao Brasil, ainda observo que meu carrinho continua sendo diferente da média dos carrinhos que circulam pelos supermercados que frequento - de atacado e hipermercado a lojas gourmet. Ele é mais colorido, não pelas embalagens, mas pela variedade de alimentos.

Em paralelo aos carrinhos de supermercado, entrei para o universo das papinhas e comidinhas com o nascimento dos meus filhos. Comecei a ver e ouvir coisas bizarras sobre alimentação infantil: gente que comprava caixa fechada de papinha industrializada porque nunca cozinhou uma cenourinha com batata para o filho (as duas únicas vezes que dei papinha processada para o RoRo ele regurgitou), mãe que fazia a dieta amarela para o bebê (só oferecia alimentos amarelos nos primeiros meses de alimentação sólida - batata, mandioquinha, mandioca - carboidrato, carboidrato, carboidrato), gente que dizia que carne "pesava" na papinha e tinha medo de o filho passar mal, babá que dava papinha (comida amassada!) para criança com dois anos de idade e todos os dentes na boca, avó que dava comida (a refeição!) dentro do elevador para a criança poder comer, mãe que dava pão molhado no leite para bebê ganhar peso, e muito mais...

Chocada com estes absurdos, eu questionava por quê em casa era diferente. Meus filhos comiam bem, de tudo e no cadeirão. Estão crescendo e continuam tendo uma dieta saudável e equilibrada, comendo sentados à mesa, sem TV, aviãozinho ou similares. Até hoje, com 5 e 3 anos, nunca tiveram diarreia e tomaram antibiótico 2 ou 3 vezes cada um. Não acho que esta saúde toda seja só contribuição genética. Acredito que a herança "verde" tem uma contribuição enorme na qualidade da alimentação das crianças, mas também não é tudo. A orientação recebida pelo nosso pediatra foi essencial para criarmos cardápios variados e estabelecermos regras de bom comportamento durante as refeições. Talvez, sem esta orientação, nossa história fosse um pouco diferente.

Como nosso pediatra, acredito que a educação alimentar começa na amamentação. O bebê deve mamar para se alimentar. Carinho, afeto, aconchego vem junto, da mesma maneira que em uma refeição gostosa em uma mesa. Acontece que, ao meu ver, desde muito cedo, o que deve ou não ser permitido na alimentação de uma criança não é claro para os pais, seja do ponto de vista nutricional, comportamental ou afetivo (aí pode-se pensar que o bombardeio das propagandas acerta em cheio o alvo de quem não está bem orientado e, portanto, vulnerável, não consegue bancar o que a criança pode ou não). Para mim não foi difícil implantar a rotina alimentar porque tínhamos muito bem definido o que podia ou não na hora das refeições e o que cada refeição tinha que conter (guardo até hoje o "receituário" dos meus dois filhos com estas informações). Meus filhos surpreendem muita gente grande porque comem alimentos de todos os grupos alimentares e sem nenhum recurso além de mesa, cadeira, prato e talheres. Simples assim.

Como mãe, eu diria que todos os deslizes de uma criança de não se alimentar bem acontece pela falta de pulso firme de quem cuida dela. Todos os dias, mesmo tendo instalado uma rotina alimentar, é necessário acompanhá-la e isto dá um trabalho tremendo. O mesmo trabalho de preparar uma refeição.

Em tempos de fast food, simplificação da vida, sobrecarga de tarefas, a opção é o caminho mais fácil e curto (isto é o que os alimentos anunciados nas propagandas melhor sabem oferecer). Uma mãe que chega cansada em casa e encontra o filho chorando por manha, precisa de muita força de vontade para dizer não para um chocolate antes do jantar ou a substituição dele por uma pacote de bolacha.

Tenho visto muitas crianças que se alimentam muito mal e que não o fazem por questões financeiras (acredito que muita criança se alimenta mal porque comida neste país tem preço de ouro - aliás, imposto sobre alimentos saudáveis não deveria existir para poder se ter uma população saudável). A primeira pergunta que me faço é se seus pais têm uma dieta saudável e equilibrada. A segunda é quantas vezes cada alimento que não é ingerido foi oferecido à criança.

Meu filho não come peixe. Até um ano o pediatra o proibiu por ser um alimento altamente alergênico. Ofereci peixe ao RoRo algumas vezes e como ele não comia, ou comia muito pouco, passei a oferecer apenas carne. E para diminuir a bagunça na cozinha eu também diminui meu consumo de peixe. Grande erro, corrigido depois que a Lalinha fez um ano. Todos em casa comiam peixe e gostavam, menos o RoRo. Mudamos a estratégia: em dia de peixe não tem carne. Ele continua sem comer peixe como gostaríamos, mas todas as vezes precisa experimentar um pedacinho, mesmo que cuspa por não conseguir engolir (muitas vezes ele tem ânsia de vômito). E assim vamos todas as semanas. A Lalinha não come tomate cru, mas come molho, come tomate como tempero em carnes e outras comidas. Sempre que tem salada de tomate em casa, tentamos colocar um tomate, rodela ou pedaço em seu prato. Algumas vezes ela o come; outras, ela o recusa colocando-o fora do prato, mas nunca desistimos.

Criança cria manias e nós adultos caímos facilmente em suas armadilhas. Um dia resolve que não quer arroz integral porque só gosta de branco e a família nunca mais o cozinha porque a pequena criança não pode ficar sem comer. Pode sim. Meu pediatra assinou embaixo que se meus filhos não quisessem comer que eu os deixasse sem comida, mas não fizesse substituições porque uma hora teriam fome e comeriam. Outro dia fiz panqueca de frango e o RoRo disse que não gostava. Respondi que só tinha aquela comida que estava na mesa, se quisesse, que comesse, caso contrário não teria outra. Resultado, comeu toda a panqueca e no final disse que tinha gostado.

Criança aprende por imitação. Se a família não come o que é saudável é hora de os pais começarem a fazer um esforço se realmente querem o melhor para os filhos. Sempre tive muito medo de cachorro e meus filhos também têm. Tive que começar, marmanjona, a passar a mão em cachorrinhos para eles poderem ver que mesmo sem gostar de cachorros consigo conviver com eles. Como a criança não vai querer comer chocolate se a mãe é chocólatra? Como não vai querer beber refrigerante se o pai o toma no lugar da água? Como dizer não para a bolacha recheada no supermercado se os pais compram pacotes e mais pacotes de porcarias para se entupirem no fim de semana? Posso ser radical, mas sou da opinião de que filho não é para qualquer um. Se a arte e ser pai e mãe é aprender a ser melhor a cada dia superando nossas dificuldades e fraquezas para criar pessoas melhores do que nós mesmos, como criar um filho sem rever seus valores, atitudes e comportamentos, incluindo os alimentares?

O apelo das propagandas está em todos os lugares e fica difícil se ver livre dela. Eu não acho que ela deva ser proibida porque penso que é tarefa dos pais selecionar o que é bom ou não para os filhos. Em se tratando de alimento, é a mesma coisa. Talvez a grande diferença é que os pais também sejam fisgados por elas, justamente porque não têm uma rotina alimentar saudável. Cabe a eles buscarem orientação para começar a mudar seus próprios hábitos, se realmente esperam que seus filhos comam um pouco de tudo que é saudável.

2 comentários:

Lu Iank disse...

Patricia
concordo com o que vc escreveu. Acima de tudo o exemplo dos pais influencia em muito na alimentacao das criancas.
Bjs

Anônimo disse...

Olá Patricia,

Cheguei aqui através do link que você colocou no Fórum do Minha Mãe Que Disse. Adorei a sua reflexão sobre alimentação infantil. Concordo plenamente que tem muito adulto por aí que se alimenta super mal mas quer que o filho coma de tudo. Quanta incoerência!
Alimentação é meu tema favorito e também já escrevi um texto no meu blog sobre alimentação infantil. Se quiser, passa lá: http://abrindoadespensa.wordpress.com/2013/04/11/alimentacao-infantil-e-refeicoes-as-cegas/
Um abraço,
Marisa