20 de outubro de 2011

Um pouquinho sobre brinquedo e consumo

O Dia das Crianças passou e uma série de matérias sobre o consumo infantil foram publicadas em decorrência da enxurrada de publicidade dirigida a este público. Confesso que fiquei estonteada com o volume de informações que os comerciais do Discovery Kids veicularam em sua programação próximo à data (falo do Discovery Kids porque este é o canal mais assistido em casa). Não que no dia a dia isto não aconteça, mas nos dias que antecederam o 15 de Outubro não tínhamos tempo de assimilar uma propaganda que outra já saltava da tela. Não tinham as "chamadas educativas" do canal, que fazem o intervalo um pouco mais leve (mesmo que muitos deles sejam patrocinados por empresas que focam o consumo infantil, o conteúdo não é apelativo e bombástico, que despeja um monte de informação acelerada em alguns poucos segundos). Fico imaginando isso na cabeça de uma criança que ainda não tem capacidade de julgamento. Só dá tempo de, na mesma velocidade, dizer: "eu quero, eu quero, eu quero, eu quero, eu quero". Ou, que significa a mesma coisa: "Compra esse? Compra esse? Compra esse? Compra esse? Compra esse?" (ainda que em casa vem na forma de interrogação porque já sabem que nem tudo a gente compra, bem diferente da maioria, que vem com uma baita exclamação no final!).

Em dois meses teremos o Natal e, diante da avalanche de novos e velhos produtos destinados ao público infantil, enfrentaremos outra vez o dilema do que fazer com a compulsão ao consumo que é despertada e/ou aguçada na criança especialmente nas datas comerciais.

Conter o desejo de consumo fica mais difícil nos indivíduos e famílias onde consumir é o principal lazer e a ideia de ter sobrepõe-se a ideia de ser. Indo mais longe um pouco, consumir pode ser a maneira encontrada para suprir, quase sempre inconscientemente, o vazio existencial.

Por que, no caso da criança, não preencher o que falta com carinho, afeto, companheirismo, compreensão? Porque isso tudo não se pega em uma prateleira, precisa ser construído diariamente e, portanto, dá um trabalho danado. O velho ditado "cada um dá o que tem" cabe muito bem aqui. Quem consegue de fato preencher as lacunas emocionais da criança (e, antes de mais nada as suas próprias) consegue dar o que a criança precisa e, consequentemente, sua necessidade de consumo material diminui. O apelo ao novo brinquedo passa a ser uma frase que evapora como água em dia quente. A criança esquece o que viu e não passa o dia inteiro martelando seu querer.

Não sou radical em achar que criança não deve ganhar presentes ou que brinquedos só tem valor se forem construídos pela ou com a criança. Sou contra o consumo exagerado e a substituição da qualidade da relação que se tem com a criança pelo consumo de qualquer natureza.

Qualquer um que parar e pensar nas coisas boas da infância vai fazer referência a experiências e pessoas. Um brinquedo pode até ser um meio para isso, mas nunca o viés principal. Se analisarmos o que faz uma criança feliz também veremos que não é um brinquedo, mas experiências que envolvem pessoas. Mas, como proporcionar simples e bons momentos com crianças se nós adultos também estamos mergulhados na cultura do caminho mais curto e da auto-satisfação? Entre jogar bola com uma criança ou jogar um jogo eletrônico, entre fazer um bolo em casa ou abrir um pacotinho já pronto, entre usar tinta ou colar uma cartela de adesivos numa folha de papel, entre ir na esquina de carro ou a pé, entre fazer um bolinho com amigos para comemorar o aniversário ou contratar um super buffet, entre passar esmalte na unha da filha ou leva-la ao cabelereiro para ter um dia de princesa, entre fazer piquenique num parque ou lanchar numa lanchonete, entre trazer amigos para brincar em casa ou se encontrar na rua, entre construir um castelo com blocos de montar e revistas ou ter um que não se transforma em mais nada, entre brincar com um boneco multicoisas ou um boneco que vem com frase pronta, qual a sua escolha? A sua é também a do seu filho ou da criança que você cuida.

Não importa o tempo que os pais têm com os filhos, não importa o tempo que eles ficam na escola, em atividades extra curriculares ou com babás. Qualquer um que esteja com uma criança precisa propiciar-lhe experiências criativas e afetivas. Se os pais, as escolas, os cuidadores não conseguem isto, esta criança está fadada a querer tudo o que vê pela frente, sem limite, sem compreensão de que não precisa o que o comercial de TV anuncia.

Um bom brinquedo é aquele com o qual a criança é capaz de viver experiências afetivas e criativas. Pensemos nas bonecas. Elas não precisam falar, andar e comer de verdade. Uma boneca que engatinha, só engatinha; a que fala, só fala as frases programadas. Para uma boa brincadeira basta uma boneca sem características específicas porque com ela é a criança quem determina as características que deseja que a boneca tenha. As bonecas com características específicas chamam a atenção da criança num primeiro momento pois, como não são capazes de proporcionar uma brincadeira criativa, logo são postas de escanteio. Mais um brinquedo para guardar. Mais dinheiro que podia ser poupado.

Antes de comprar um novo brinquedo é importante refletir quais são os brinquedos que a criança realmente brinca e quais são deixados de lado. O que cada um deles propicia e agrega no desenvolvimento da criança? O mesmo vale para roupas, alimentos, lazer. Uma roupa não deve ser comprada só porque a criança quer ou a mãe acha bonita. Quantas vezes a criança vai usar aquela roupa? Ela é confortável, apropriada para a idade, para o clima? A comida que se compra é a mais fácil de se comer ou a mais saudável? O passeio é para a criança ou para o adulto? Consumir é uma questão de princípios, valores e condição emocional. Por isto, tenho um pouco de dúvida do quanto a publicidade em si é a grande vilã da história. Quando o núcleo familiar é coerente e firme com seus valores a publicidade perde sua força em seu objetivo de inundar nossa alma com o desejo de ter. A família consegue bancar suas decisões e a criança, segura em seu porto, consegue entender, mesmo bem pequena, que nem tudo que é anunciado é necessário ou vale à pena ter. Mais do que lutar contra a publicidade, devemos lutar contra nossa tendência de acomodação, de conforto, de busca pelo caminho mais curto. Se educamos crianças, temos a obrigação do diálogo, do questionamento e da reflexão, inclusive sobre o consumo. Consumo consciente hoje é atitude consciente amanhã. Atitude consciente hoje é um mundo melhor amanhã.

Um comentário:

Patrícia Leekninh Paione Grinfeld disse...

Para quem ainda não viu, vale conferir "The Story of Stuff" http://www.youtube.com/watch?v=3c88_Z0FF4k. É um bom começo para pensar a questão do consumo.