18 de março de 2011

É bom ser criança...



Frase e desenho do RoRo, claro!
... porque criança pode ir em banheiro de homem e de mulher!

17 de março de 2011

Explicando a morte para uma criança

Estávamos no carro, o RoRo com uns 3 anos e meio, quando ele perguntou se a tia Bia não tinha pai. Respondi que sim, mas que ele tinha morrido há alguns anos. Surgiu, então, a questão: "O que é morrer?". E a resposta mais óbvia do mundo: "Morrer é deixar de viver, é não estar mais vivo."

- "Eu estou vivo?"

- "Está."

- "Você está viva?"

- "Estou."

- "O papai está vivo?"

- "Está."

Na relação de pessoas vivas veio a família toda e alguns amigos.

Por semanas ele repetiu as mesmas perguntas, transformando num inquérito a brincadeira de vivo ou morto.
Do vivo-morto começaram a surgir outras perguntas: "Como morre?". "Você vai morrer?". "Quando você vai morrer?". Para cada pergunta uma resposta simples e sempre a mesma:

    Como morre? - Antes mesmo da minha resposta, o RoRo apresentava a dele com dramatizações e mais interrogações: Deitado? Dormindo? Sentado? Vida e morte ainda estavam muito coladas à brincadeira do vivo-morto, saindo pela primeira vez da vivência corporal para a intelectual. A minha resposta: "Quando o coração pára de bater, quando a pessoa não consegue mais respirar, quando a pessoa está muito velhinha..."

    Você vai morrer? - "Todos nós vamos. Tudo o que tem vida morre um dia, as plantas, as flores, as pessoas."

    Quando você vai morrer? - "Isso ninguém sabe, não dá para responder."
Das conversas que surgiram fomos incluindo as pessoas da família que já tinham morrido, contando seus nomes, suas histórias. Suas perguntas se costuravam num zig-zag de conteúdos assimilados e novas questões que incrementavam o tema.

- "Para onde vão as pessoas que morrem?"

- "Vão para onde as pessoas que morrem vão."

Esta resposta se sustentou por muito tempo, o que me deixava bastante tranquila. Como não somos religiosos, Deus ainda não tinha entrado em nossas conversas (bem como ainda não entrou). Introduzir a tão comum ideia de Céu me incomodava por me fazer lembrar de um primo, que na ocasião do luto pela morte do meu avô, perguntava à mãe se não era possível colocar vários prédios, um sobre o outro, para conseguir alcançá-lo no Céu. Honestamente, não queria correr o risco de me enroscar na engenharia.

Pelos meus percursos religiosos entre o Catolicismo, o Protestantismo e o Espiritismo, e pelas perdas de pessoas muito queridas na minha adolescência, construi  para mim mesma a ideia de que depois da morte todo mundo se encontra e fica melhor do que estava antes (meu único consolo para achar que essa coisa  tenha um pouco de vantagem, para quem vai e para quem fica). Essa ideia já tinha sido passada para minha sobrinha, que se satisfez com a resposta. Então, não tinha por que eu fazer diferente com meu próprio filho.

Pois bem, tudo muito didático, transparente e compreensível - todo mundo nasce, todo mundo morre (aliás, nascer e morrer são questionamentos que caminham juntos nesta idade) - mas só até a morte estar relacionada a pessoas que o RoRo  tinha tido um convívio mínimo ou não conhecera.

Desde que nasceu, o RoRo teve 3 avós, as 2 biológicas e a Titila, a tia avó, irmã da minha mãe, que ocupou o terceiro posto. Nossa convivência era quase diária, uma companheirona dele e minha (mais tarde, da Lalinha também) nos momentos mais alegres e nos mais difíceis. O ano passado inteiro, contudo, foi um ano de intensa luta contra metásteses que se instalaram em seu corpo. O RoRo acompanhou sua história, as marcas na pele para a radioterapia (desenho com canetinha!), a queda do cabelo (e entender que o papai toma remédio para não cair cabelo e a Titila tomava um que fazia o cabelo cair!), a combinação dos turbantes com as roupas, sua dificuldade em encontrar posição que minimizasse suas dores, seu afastamento da nossa casa (não caminhava a pé nos 2 quarteirões que nos separavam), as tardes em que não nos encontrávamos porque ela estava em algum médico ou reclusa em recuperação da quimioterapia... Mais tarde, a boa notícia de que as "manchinhas" tinham sumido, a visita dela na nossa casa nova, a preparação para sua festa de 74 anos organizada por ele e por mim e, infelizmente, a triste realidade de que "as manchinhas tinham voltado e desta vez não tinha remédio que pudesse tirá-las do seu corpo". Uma semana depois da festa com bolo, brigadeiro e bexiga, Titila internou e não saiu mais.

Todos os dias o RoRo perguntava como ela estava, se havia melhorado, até que um dia, depois de quase um mês e meio internada, minha mãe avisa que seus sinais vitais estavam muito fracos e que só nos restava esperar o corpo parar de pulsar. Preparei tudo em casa e, antes de sair, falei ao RoRo, Lalinha e minhas sobrinhas, também com 2 anos e 8 meses: "Estou indo para o hospital porque a Titila está muito fraquinha e não tem nenhum remédio que possa fazê-la melhorar. Ela vai morrer.".

Eu precisava dizer isso para eles, principalmente ao RoRo porque eu sabia que eu não voltaria tão cedo para casa e eu queria que ele ouvisse de mim essas palavras. E de fato foi o que aconteceu.

Por telefone orientei todos sobre o que já tínhamos conversado sobre a morte e o que eu achava que podia ser dito. Em vão...

Nosso encontro no dia seguinte, depois do enterro, foi uma avalanche de emoções, perguntas e surpresa de conteúdos que não saíram das nossas inúmeras conversas sobre vida e morte. Todo o cuidado que eu imaginava ter tido em "prepará-lo" para o tema parecia ter ido por água abaixo.

Com 4 anos e meio, as perguntas sobre morte foram ficando cada vez mais refinadas com novos conteúdos apresentados por quem esteve com ele na minha ausência. Não consegui abraçar meu filho sem chorar. Minhas lágrimas eram minha tristeza, mas também um alvará para que ele pudesse expressar o que estava sentindo. Choramos juntos por mais de uma hora. O RoRo estava desolado por não ter ido se despedir da tia (nunca achei que velório e cemitério fossem lugar para criança) e ansioso para ter resposta a tantas perguntas que pareciam sair de um saquinho de sorteio, num ir e vir sem fim:

- "A Titila já virou pó?"

- "Onde ela morreu?"

- "Quem colocou a Titila na caixa (caixão)?"

- "Como enterra?"

- "Como ela foi colocada na caixa?"

Entre cada pergunta, meu espanto, decepção e um pouco de desespero de como eu iria sair daquela situação. Quem lhe dissera essas coisas? Não adiantava eu procurar o "culpado". Dei-me conta, com a morte, que as coisas da vida chegam às crianças por mais que a gente tente protegê-las. O RoRo tinha fragmentos assustadores de um enterro, e eu, uma situação que parecia não ter saída. Cheguei até a esboçar um discurso sobre corpo e alma! Uma catástrofe.

Sem saber qual caminho trilhar, recorri à minha grande amiga, que me sugeriu falar que minha tia tinha virado uma estrelinha no Céu. Mais tranquilia por ter dividido minha angústia, eu tinha dúvidas se devia falar desta maneira. Além do mundo novo que o RoRo questionava, eu ainda teria que apresentar o Céu? Mas como, se minha tia estava numa caixa embaixo da terra...

Telefonei para outra grande amiga, minha fada, que sugeriu que eu dissesse que onde minha tia estava tinha uma escada para o Céu, que só ela podia ver. Escada? Não!

Minha cabeça girava, meu filho chorava. Eu chorava junto, de tristeza, de impotência. Tudo o que ele ouvira era concreto demais, doloroso e difícil de entender sem ver. Numa idade em que fantasia e realidade caminham juntas, acabei me rendendo ao Céu. Não tinha pensado antes que ele é mágico, misterioso, grande, bonito, infinito. Quem nunca quis tocá-lo ou andar de avião para ficar bem pertinho dele? É muito melhor do que a caixa, a terra, que sufocam e apertam. Por que eu não tinha me rendido a essa ideia antes?

Remendando de um lado a outro eu disse algo assim: "A Titila não vai ficar morando na caixa. Ela só entrou na caixa para poder pegar uma passagem secreta para o Céu. Ela vai morar lá, onde já moram as pessoas que morreram e que ela gostava muito. Vai encontrar todo mundo e ficar feliz, sem dor". Claro que o RoRo me perguntou como era essa passagem, e eu respondi que não sabia porque a gente precisava morrer para saber. Ficamos calmos.

Os dias seguintes foram recheados de perguntas, mas havia um conteúdo mais lúdico. O RoRo contou para a Lalinha que a Titila agora morava no Céu e, depois de um silêncio, os vi no terraço do nosso apartamento no 11° andar chamando pela tia e abanando a mão. Eles se divertiam, como sempre acontecia na sua presença.

Dois meses se passaram de sua morte e o RoRo ainda fala da Titila, quase todos os dias. Chora porque tem saudades, lembra do que ela fazia, usa o que ela deu, brinca com os imãs de geladeira que ficaram de herança para ele e a Lalinha... Lembra da tia com carinho e saudades, e, o que acho mais importante, elabora o luto. Já disse que queria morrer em Tatuí (onde minha tia foi enterrada) para ficar no Céu daquela cidade (me confirmou que para poder ficar perto dela) e que queria morrer antes de todo mundo (incrível que percebeu que quem morre primeiro não sofre pela morte dos que se vão depois). O RoRo fala sobre morte, inventa estórias sobre morrer, em casa, na escola, por onde passa. Quem está a sua volta escuta, faz perguntas, fala sobre saudade, tristeza, perdas, mostrando que isso tudo faz parte da vida, como os bons momentos que a gente tem com as coisas e pessoas que a gente gosta muito.

A morte é sempre uma lição, como a vida. Ela surpreende não pelo fim, mas pela percepção daquilo que no dia a dia a gente não se dá conta que existe...

8 de março de 2011

Quem "dirige" o avião?

É o Robôtolo, respondeu a Lalinha.

Neologismo? Dificuldade com as palavras? Ou sabedoria infantil de que a máquina é comandada por robôs + pilotos?

Seja o que for, ela conseguiu com o irmão, num vôo vazio, conhecer a cabine de uma aeronave. Amou, como toda criança!