27 de setembro de 2011

Lembrancinha de aniversário

Queria saber quem inventou a lembrancinha de aniversário. Imagino que tenha sido o dono de uma fábrica de língua de sogra que, não sabendo o que fazer com o estoque encalhado do produto, resolveu distribuir seu manufaturado às crianças presentes na festa de aniversário do filho. Como o sucesso foi enorme no meio da garotada, a moda pegou e hoje não existe mais aniversário sem a maldita lembrancinha.

Lembro-me de apenas uma festa de aniversário minha que teve "saquinho surpresa". Foi uma festa só para primos, na casa da minha avó. Foi a realização de um desejo porque minha mãe sempre disse que festa tinha que ter comida boa, não "saquinho surpresa". E as de casa, felizmente, tinham. Os salgadinhos da D. Maria, que nos deixava comer coxinha sem fritar porque era feita de frango cozido e os maravilhosos docinhos e bolos da D. Chiquita - gatinho de amendoim, brigadeiro de neguinha, patinho de cocada..., regados a muitos guaranás caçulinhas.

Minhas festas eram em casa, sem recreador, arcos de bexiga, temas comerciais. Festa de aniversário era para brincar, comer, se divertir com amigos. A lembrança era a própria festa.

Fiquei bons anos sem frequentar festas infantis e agora, mãe de dois, vejo que meu desejo de criança não era só meu. Na minha infância eu já queria o "saquinho surpresa" porque alguns faziam e eu achava legal. Hoje a coisa mudou e a lembrancinha está quase mais sacramentada do que o próprio bolo (tem criança que não está muito aí para o bolo, mas para a lembrancinha....). Não ter lembrancinha é ter uma festa pela metade. O cúmulo, para mim, foi ir à festa de aniversário da escola dos meus filhos e a Lalinha, com 3 anos, sair chorando porque na festa não tinha lembrancinha! Ela estava com sono, mas não vou justificar seu desejo no cansaço. Numa outra festa, esta de 70 anos de um tio, as crianças perguntaram da lembrancinha, e o aniversariante, como bom avô, foi atrás de providencia-las. Foi muito legal, mas começo a questionar qual é o valor que a gente passa para os filhos quando se faz uma festa de aniversário, que em tese é para comemorar mais um ano de vida, de conquistas e aprendizados, e o que é mais esperado é o que vai ser dado e não o que vai ser trocado. A lembrança tem sido depositada numa parafernália de guloseimas cheias de açúcar (que em casa vão quase todas para o lixo!) e badulaques que quebram no mesmo dia de uso (com raras exceções que não merecem crédito no momento), e não naquilo que deveria ser a essência da festa de aniversário: o compartilhar. Ela é reflexo da cultura do consumo, do ter que levar alguma coisa concreta para casa, quase sempre industrializada.

Já fiz festa de aniversário dos meus filhos com e sem lembrancinha. Já vi lembrancinhas mais surpreendentes em criatividade e custo do que muitos presentes dados ao aniversariante. De todas as lembrancinhas que vi, as únicas que fazem sentido, são as que são criadas na festa, no meio à brincadeira. Se levar um pedaço da festa é importante para as crianças, que cada um leve seu pratinho com bolo, brigadeiro e salgadinho para comer no café da manhã do dia seguinte, lembrando quão boa estava a festa. É uma lembrança que não enche barriga, enche o coração com a ideia do compartilhar o que foi bom.

Olhando para a geração dos meus filhos, que querem, querem e querem, sem saber por que querem e o que querem, não posso cair mais na ideia de que a lembrancinha é um agradecimento pela presença. Lembrancinha foi instituída por um mercado, e como todo mercado, tem uma força difícil de ser driblada, mas não proibida de ser questionada. Acho que todo mundo devia, antes de pensar na lembrancinha, pensar no sentido da celebração do aniversário. Seria uma lembrancinha tão boa para o mundo...

20 de setembro de 2011

Doces avôs e avós

Hoje o RoRo e a Lalinha foram ao clube com meu sogro. Achei que não precisava de mochila com troca de roupa; iam brincar no parquinho. Duas crianças já são o bastante para tomar conta, quem dirá mais uma mochila! Saíram de casa felizes e voltaram mais ainda.

"Tô pelaaada", disse a Lalinha. E estava só de camiseta. Não tinha escapado xixi. Tinha entrado na piscina de short e depois não quis ficar molhada, claro. Nunca imaginei que ela fosse querer nadar, afinal, piscina não é seu forte. O avô improvisou uma saia de toalha, que serviu para acompanhá-la do clube até em casa.

Mas ela não estava só "pelaaada". Da sua boca exalava um cheiro de tuti-fruti daqueles... O avô, como todo avô que se preze, atendeu ao seu pedido de comprar-lhe "chiqueti". Doce avô...

Por causa de doces, já briguei muito com minha mãe, sócia com meu pai de um armário que mais parece uma bomboniere. Desisti de brigar, e quando vamos na casa deles meus filhos podem comer o que quiserem e quanto quiserem. Se o estoque está baixo, vão com meu pai na loja de chocolate, onde cada um tem o direito de escolher o que quiser. Que delícia!

Em casa doce é contido. Guloseimas de lembrancinha de aniversário quase sempre ganham asas e voam... Mas quem sou eu para proibir as pequenas transgressões cometidas pelos avós? Minhas melhores lembranças dos meus são das pequenas coisas que em casa eram proibidas, como fazer vitamina com fruta de verdade no liquidificador de brinquedo, usar esmalte pink, comer sacos de bala e até passar trote em casa de paquera meu para saber se ele estava na cidade (sim, minha avó paterna fez isso... não existia bina!). Avô (e avó) foram feitos para mostrar para os netos o que os pais não podem mostrar (mesmo que adorem!). E isso, explica a pergunta que o RoRo já me fez algumas vezes: "Por que na casa da vovó Carmen tem porcaria e em casa não?". Porque, eu respondi, a casa da vovó Carmen é casa de avó e a nossa não. Bom ter avôs e avós!

14 de setembro de 2011

Quer que o filho coma, coma também!

Tenho refletido bastante sobre o tema alimentação infantil e, mais recentemente, lido sobre a influência negativa da publicidade sobre comportamentos e escolhas alimentares pelo público infantil. Sei que o marketing pesa muito na decisão da compra, mas ainda acho que a propaganda de maior força é a que é exibida dentro de casa.

Tive a sorte de nascer em "berço verde" e com cozinheiras que deixavam qualquer um com água na boca. Minha mãe herdou do seu pai o gosto pelo cultivo de hortaliças e nossa casa sempre foi cercada de uma bela e invejável horta. Cresci com minha mãe cavoucando canteiros nos finais de semana, semeando, transplantando mudas e colhendo diferentes tipos de verduras e legumes. Tipos exóticos e raros só não compunham sua horta quando o clima quente da cidade não os permitiam vingar. Nossa mesa sempre foi farta de verdes, amarelos, vermelhos, roxos... com aromas e sabores de pratos preparados com o mesmo carinho, criatividade e capricho ensinados pela minha avó materna.

Na adolescência eu já percebia que a comida em casa era diferente da comida de algumas casas. Refrigerante só tinha em aniversário de criança (ou seja, duas vezes ao ano); enlatado, só azeite, sardinha e atum. Molho de tomate, milho e ervilha, eram todos frescos. Fui comer o primeiro molho de tomate em lata depois dos 20 anos, numa viagem com amigos, e confesso que comi com certa repulsa.

A grande diferença entre o consumo de alimentos da minha família e de outras, entretanto, eu comecei a perceber para valer quando morei nos EUA. Era a primeira vez que eu preparava todas as refeições diariamente em casa. Portanto, eu fazia compras de alimentos em variedade e quantidade que eu não fazia no Brasil. Nos supermercados eu observava que meu carrinho era muito diferente dos demais carrinhos porque eu carregava litros de leite e suco no lugar dos refrigerantes, e uma variedade de frutas, legumes e verduras em substituição aos pães brancos e salgadinhos de todos os tipos que enchiam a maioria dos carrinhos de família.

De volta ao Brasil, ainda observo que meu carrinho continua sendo diferente da média dos carrinhos que circulam pelos supermercados que frequento - de atacado e hipermercado a lojas gourmet. Ele é mais colorido, não pelas embalagens, mas pela variedade de alimentos.

Em paralelo aos carrinhos de supermercado, entrei para o universo das papinhas e comidinhas com o nascimento dos meus filhos. Comecei a ver e ouvir coisas bizarras sobre alimentação infantil: gente que comprava caixa fechada de papinha industrializada porque nunca cozinhou uma cenourinha com batata para o filho (as duas únicas vezes que dei papinha processada para o RoRo ele regurgitou), mãe que fazia a dieta amarela para o bebê (só oferecia alimentos amarelos nos primeiros meses de alimentação sólida - batata, mandioquinha, mandioca - carboidrato, carboidrato, carboidrato), gente que dizia que carne "pesava" na papinha e tinha medo de o filho passar mal, babá que dava papinha (comida amassada!) para criança com dois anos de idade e todos os dentes na boca, avó que dava comida (a refeição!) dentro do elevador para a criança poder comer, mãe que dava pão molhado no leite para bebê ganhar peso, e muito mais...

Chocada com estes absurdos, eu questionava por quê em casa era diferente. Meus filhos comiam bem, de tudo e no cadeirão. Estão crescendo e continuam tendo uma dieta saudável e equilibrada, comendo sentados à mesa, sem TV, aviãozinho ou similares. Até hoje, com 5 e 3 anos, nunca tiveram diarreia e tomaram antibiótico 2 ou 3 vezes cada um. Não acho que esta saúde toda seja só contribuição genética. Acredito que a herança "verde" tem uma contribuição enorme na qualidade da alimentação das crianças, mas também não é tudo. A orientação recebida pelo nosso pediatra foi essencial para criarmos cardápios variados e estabelecermos regras de bom comportamento durante as refeições. Talvez, sem esta orientação, nossa história fosse um pouco diferente.

Como nosso pediatra, acredito que a educação alimentar começa na amamentação. O bebê deve mamar para se alimentar. Carinho, afeto, aconchego vem junto, da mesma maneira que em uma refeição gostosa em uma mesa. Acontece que, ao meu ver, desde muito cedo, o que deve ou não ser permitido na alimentação de uma criança não é claro para os pais, seja do ponto de vista nutricional, comportamental ou afetivo (aí pode-se pensar que o bombardeio das propagandas acerta em cheio o alvo de quem não está bem orientado e, portanto, vulnerável, não consegue bancar o que a criança pode ou não). Para mim não foi difícil implantar a rotina alimentar porque tínhamos muito bem definido o que podia ou não na hora das refeições e o que cada refeição tinha que conter (guardo até hoje o "receituário" dos meus dois filhos com estas informações). Meus filhos surpreendem muita gente grande porque comem alimentos de todos os grupos alimentares e sem nenhum recurso além de mesa, cadeira, prato e talheres. Simples assim.

Como mãe, eu diria que todos os deslizes de uma criança de não se alimentar bem acontece pela falta de pulso firme de quem cuida dela. Todos os dias, mesmo tendo instalado uma rotina alimentar, é necessário acompanhá-la e isto dá um trabalho tremendo. O mesmo trabalho de preparar uma refeição.

Em tempos de fast food, simplificação da vida, sobrecarga de tarefas, a opção é o caminho mais fácil e curto (isto é o que os alimentos anunciados nas propagandas melhor sabem oferecer). Uma mãe que chega cansada em casa e encontra o filho chorando por manha, precisa de muita força de vontade para dizer não para um chocolate antes do jantar ou a substituição dele por uma pacote de bolacha.

Tenho visto muitas crianças que se alimentam muito mal e que não o fazem por questões financeiras (acredito que muita criança se alimenta mal porque comida neste país tem preço de ouro - aliás, imposto sobre alimentos saudáveis não deveria existir para poder se ter uma população saudável). A primeira pergunta que me faço é se seus pais têm uma dieta saudável e equilibrada. A segunda é quantas vezes cada alimento que não é ingerido foi oferecido à criança.

Meu filho não come peixe. Até um ano o pediatra o proibiu por ser um alimento altamente alergênico. Ofereci peixe ao RoRo algumas vezes e como ele não comia, ou comia muito pouco, passei a oferecer apenas carne. E para diminuir a bagunça na cozinha eu também diminui meu consumo de peixe. Grande erro, corrigido depois que a Lalinha fez um ano. Todos em casa comiam peixe e gostavam, menos o RoRo. Mudamos a estratégia: em dia de peixe não tem carne. Ele continua sem comer peixe como gostaríamos, mas todas as vezes precisa experimentar um pedacinho, mesmo que cuspa por não conseguir engolir (muitas vezes ele tem ânsia de vômito). E assim vamos todas as semanas. A Lalinha não come tomate cru, mas come molho, come tomate como tempero em carnes e outras comidas. Sempre que tem salada de tomate em casa, tentamos colocar um tomate, rodela ou pedaço em seu prato. Algumas vezes ela o come; outras, ela o recusa colocando-o fora do prato, mas nunca desistimos.

Criança cria manias e nós adultos caímos facilmente em suas armadilhas. Um dia resolve que não quer arroz integral porque só gosta de branco e a família nunca mais o cozinha porque a pequena criança não pode ficar sem comer. Pode sim. Meu pediatra assinou embaixo que se meus filhos não quisessem comer que eu os deixasse sem comida, mas não fizesse substituições porque uma hora teriam fome e comeriam. Outro dia fiz panqueca de frango e o RoRo disse que não gostava. Respondi que só tinha aquela comida que estava na mesa, se quisesse, que comesse, caso contrário não teria outra. Resultado, comeu toda a panqueca e no final disse que tinha gostado.

Criança aprende por imitação. Se a família não come o que é saudável é hora de os pais começarem a fazer um esforço se realmente querem o melhor para os filhos. Sempre tive muito medo de cachorro e meus filhos também têm. Tive que começar, marmanjona, a passar a mão em cachorrinhos para eles poderem ver que mesmo sem gostar de cachorros consigo conviver com eles. Como a criança não vai querer comer chocolate se a mãe é chocólatra? Como não vai querer beber refrigerante se o pai o toma no lugar da água? Como dizer não para a bolacha recheada no supermercado se os pais compram pacotes e mais pacotes de porcarias para se entupirem no fim de semana? Posso ser radical, mas sou da opinião de que filho não é para qualquer um. Se a arte e ser pai e mãe é aprender a ser melhor a cada dia superando nossas dificuldades e fraquezas para criar pessoas melhores do que nós mesmos, como criar um filho sem rever seus valores, atitudes e comportamentos, incluindo os alimentares?

O apelo das propagandas está em todos os lugares e fica difícil se ver livre dela. Eu não acho que ela deva ser proibida porque penso que é tarefa dos pais selecionar o que é bom ou não para os filhos. Em se tratando de alimento, é a mesma coisa. Talvez a grande diferença é que os pais também sejam fisgados por elas, justamente porque não têm uma rotina alimentar saudável. Cabe a eles buscarem orientação para começar a mudar seus próprios hábitos, se realmente esperam que seus filhos comam um pouco de tudo que é saudável.

12 de setembro de 2011

Vale a pena um passeio com as crianças pelo centro de São Paulo

Destino: Mercado Municipal e Estação Catavento
Transporte: carro, metrô e muita sola de sapato!

Saímos de casa felizes. RoRo e Lalinha porque andariam de metrô, linha nova e com baldeação na Sé, a maior estação da cidade. André e eu porque depois de quase 6 anos comeríamos os deliciosos pastel de bacalhau e sanduiche de mortedela.

Sábado de manhã, 10:30, céu nublado. Estação Marechal Deodoro. Muitas escadas rolantes para a Lalinha aprender a "pular". Assento livre na janela. Rostinhos de alegria. Estação da Sé cheia, mas de fácil trânsito. Mãos segurando firme nas mãozinhas. Trecho em pé até a Estação São Bento, lotada como sempre. Olhares atentos a tudo. Tudo é bacana, diferente e novo. Evitamos a saída pela Ladeira Porto Geral, mas ela era inevitável no nosso caminho. Loucura? Sempre achei que sim, mas não neste dia.

Lalinha de cavalinho no ombro do pai e eu grudada no RoRo. Assim descemos a famosa ladeira observando as vitrines de fantasia para o Halloween. Um tanto assustadoras, não quiseram entrar para conhecer aquele mundo de parafernálias que transforma sonhos e realiza desejos. Paramos por instantes para assistir ao "Teatro da Bruxa", apresentação de um boneco medonho em frente a uma das lojas. Um mar de gente. Lalinha vendo tudo de cima. RoRo tampando o nariz para evitar o fedor de urina que exalava do chão.

Um pouco pelas calçadas, um pouco pela rua, chegamos rapidamente na Rua da Cantareira. Fila de carro dobrando quarteirão para tentar entrar no estacionamento do Mercadão. Certeza de que tínhamos feito a escolha certa, mesmo enfrentando a multidão da Rua 25 de Março. RoRo brincava de subir e descer as escadas que encontrava pelo caminho.

Entramos no Mercado pelas bancas que vendem no atacado, parte delas fechadas. Encontramos certa resistência das crianças no começo, que queriam ir direto ao pastel. A ansiedade foi temporariamente contornada com a degustação de um pacotinho de castanhas de lua (caju) compradas em uma das bancas. Por um breve período percorremos alguns corredores, até sermos vencidos pela insistência de quererem o pastel. Era a primeira vez que iriam almoçar pastel!

No pavimento superior mesas lotadas, fila no famoso Hocca. Sentei-me com a Lalinha enquanto RoRo e André enfrentavam a fila do caixa para fazer nosso pedido. Quando veio o tão esperado sanduíche de mortadela com provolone e mostarda (o primeiro "prato" a ser liberado) ficamos admirando o ataque e os olhinhos brilhantes de hummmm. Cada criança ficou com uma metade e nós, para variar, comemos o que sobrou, frio, mas ainda delicioso (afinal, 2 sanduiches + pastel, é muita coisa!). O sanduíche só foi deixado de lado quando o pastel de queijo ficou pronto. A sobremesa foi amêndoas cobertas com chocolate, compradas na segunda parte do tour, cujo ponto alto foram os pés e orelhas de porco expostos nas geladeiras dos açougues.

Saímos de um lugar totalmente democrático, com sotaques e caras de todo o país para outro que evitamos diariamente. Os arredores sujos e cheio de mendigos não impediram a Lalinha de correr atrás das pombas, nem o RoRo de ver o córrego (ou rio?) que passa por ali, mesmo que para isso tenham tido que se infiltrar no meio das trouxas dos moradores de rua. Meu espanto foi grande ao perceber que em todo o trajeto a pé até a Estação Catavento, no Palácio das Indústrias, as crianças encararam a sujeira das calçadas e seus moradores simplesmente como parte do cenário. Não houve em nenhum momento estranheza por parte deles. A estranheza estava em mim, que reagia tentando proteger corporalmente as crianças toda vez que um medingo passava do nosso lado, como se eles fossem uma ameaça (e de fato são, uma ameaça ao nosso mundinho protegido, que mostra o que não queremos ver - em nós mesmos). As crianças estavam certas, eles fazem parte do cenário, não estão nem aí para a gente. Eu experimentava pela primeira vez andar em um local desconhecido, feio e sujo achando uma delícia! Estava realmente divertido andar por um pedaço da cidade que raramente vamos, ou, quando vamos, vamos protegidos pelo carro e nossos escudos emocionais que nos impedem de ver e viver a cidade como ela é.

A Estação Catavento dispensa comentários. As crianças adoram passear lá. É ampla, diversa e tem atrativos para todas as idades - nem que o atrativo seja apertar algum botão!

Rumo de volta para casa, mais uma caminhada até a Estação Dom Pedro do metrô. Lugar ermo, com viadutos e término de calçada que nos obriga a atravessar a rua de um lado a outro. Nem bares abertos há. E as crianças iam alegres porque conheceriam mais um novo metrô, tinham comido pastel e sanduíche no almoço, subido nos trens, brincado com as bolhas de sabão e corrido muito na Estação Catavento. Estávamos exaustos. Metrô lotado e um ataque da Lalinha no chão do vagão. Ela queria apenas uma janela para ver o que tinha lá fora do trem... (Precisamos ainda de muitos outros passeios pela cidade para ela entender que às vezes o metrô está lotado e a única coisa que se vê é a perna das pessoas).

As 7 da noite os dois dormiam gostoso. Dia diferente, cheio de novidade. Dia em que eu fui surpreendida pelo quanto a gente vai nos enchendo de armaduras que nos impedem de ver e viver a cidade (e a vida) como ela. E o que é pior, o quanto armamos nossos filhos fazendo com que eles percam essa coisa gostosa chamada liberdade - que a infância sabe muito bem o que é.